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Por que não considero a psicologia analítica parte da psicanálise

  • Foto do escritor: Andrew Soares
    Andrew Soares
  • 20 de out. de 2023
  • 4 min de leitura

Diversas pessoas cortando simultaneamente um bolo. O homem mais a direita não corta o bolo, mas estende a mão, fingindo que participa do ritual. No bolo está escrito "livros de psicanálise", nas pessoas que efetivamente cortam o bolo uma legenda "Freudianos ignorando a psicologia analíica. Do outro lado, sobre o homem que finge cortar o bolo o texto "Junguianos dialogando com a psicanálise". Ao lado do meme o text  "Por que não considero a psicologia analítica parte da psicanálise?"

Acho bastante curioso existir um esforço grande por parte de alguns autores da psicologia analítica em “forçar a barra” para serem também considerados psicanalistas. Isso começa com mais força com alguns autores ingleses e vem ganhando espaço no Brasil. O meme propõe uma provocação - Se a psicologia analítica é parte da psicanálise, por que curiosamente é praticamente impossível encontrarmos psicanalistas freudianos, kleinianos, lacanianos, entre outros, falando também de psicologia analítica? Em geral os movimentos de aproximação com a psicanálise partem das mesmas pessoas de sempre - os próprios junguianos. E pior, geralmente quando os psicanalistas citam Jung, em geral é para critica-lo de forma pouco embazada e sem nenhum junguiano importante oferecendo um contraponto. É só vermos quantas vezes Christian Dunker foi convidado para eventos junguianos, mas o contrário nunca aconteceu. Ele ainda se acha autoridade o suficiente para fazer um vídeo fraco sobre Jung, fazendo críticas a um autor que conhece muito pouco, em resumo, fazendo o mesmo que tantos psicanalistas criticam em relação à psicanálise.


Apesar das aproximações históricas e teóricas com a psicanálise, um saber só passa a fazer parte de outro a partir da aceitação entre os pares de que estes efetivamente pertencem a um mesmo campo de conhecimento, o que não acontece com a psicologia analítica. Um dos fatores para isso é que a estruturação do inconsciente nela não é compreendida a partir do complexo de édipo ou pelos conceitos de id, ego e superego. É consenso, entretanto, que psicanálise e psicologia analítica fazem parte do campo amplo das psicoterapias psicodinâmicas, aquelas que tentam compreender o funcionamento das dinâmicas psíquicas dos pacientes e, geralmente, possuem alguma teorização sobre o que é consciência e o inconsciente.


Outro motivo importante que me leva a não considerar a psicologia analítica parte da psicanálise é justamente porque fazendo isso enterramos a vocação dialógica da psicologia analítica para com toda e qualquer abordagem. A psicologia analítica dialoga com a psicanálise não porque ela é especial, mas porque Jung era um autor que dialogava com uma multiplicidade de autores da psicologia de seu tempo, incluindo William James, Adler e, obviamente, Freud. A psicologia analítica pode ser abordada, portanto, de diferentes formas:

  • Experimental - pesquise sobre o teste de associação de palavras que Jung desenvolveu.

  • Educacional - tendo em vista que Adler foi um autor que enfatizou isso e Jung também era favorável a uma postura pedagógica dentro da psicoterapia, e não apenas analítica.

  • Humanista - pela centralidade do encontro humano entre terapeuta e paciente

  • Transpessoal - pela importância da experiência religiosa na estruturação da psique

  • Psicodinâmica - pois propõe uma teoria sobre o funcionamento da psique, o que aproxima ela da psicanálise, apesar das diferentes conceituações.

Se você já ouviu falar das quatro forças da psicologia da Maslow, poderá identificar que a psicologia analítica dialoga com todas elas, antes mesmo que esse conceito fosse criado! Nesse sentido, quando associamos psicologia analítica como meramente um braço da psicanálise, perdemos de vista toda a riqueza possível de encontros interessantes dos mais diferentes autores e que possuem diversas formas de pensar. O estudo excessivo da psicanálise pelos psicólogos analíticos já se tornou um problema sintomático, de modo que Andrew Samuels chama de “junguianos psicanalíticos”, de modo pejorativo, aqueles que abrem tantas concessões à psicanálise que “apagam a originalidade e o refinamento da abordagem de Jung” (Samuels, 2011, p 61). Cabe lembrar que Samuels é um autor da escola inglesa de psicologia analítica na Universidade de Essex, então ele possui bastante propriedade para fazer essa crítica.


Na minha prática clínica e de pesquisa, inclusive, os elementos pedagógicos dentro da psicoterapia junguiana têm ganhado cada vez mais atenção, de modo que meu interesse se desdobra muito mais para autores da pedagogia, como Paulo Freire, e estudos da psicologia cognitivo comportamental. Sinto falta inclusive de mais autores em psicologia analítica propondo diálogos interessantes com outras abordagens que não apenas a psicanálise. Precisamos de olhares mais amplos e generosos para com ela do que apenas a associação, inclusive bastante conflituosa, entre Freud e Jung. Curiosamente olhamos e discutimos mais sobre essa relação, suas fofocas e toda a mística por trás dela do que relações mais duradouras e proveitosas de Jung. William James, por exemplo, é um dos autores pioneiros do pragmatismo em psicologia e do estudo de estados alterados de consciência, temas que Jung se vinculou de forma consistente ao longo de toda sua vida.


Essa discussão é um tanto polêmica e não pretendo encerrar o assunto, mas apenas oferecer um conjunto de reflexões para que você pense a respeito. Não quero que pensem que não gosto de autores junguianos que abordam a psicanálise. Mario Jacoby é um dos meus autores favoritos e tem uma contribuição muito consistente e importante nesse sentido. O que critico aqui é a redução da psicologia analítica à psicanálise de tal forma que, em alguns circuitos, hoje mais se fala de psicanálise do que de psicologia analítica.


Referências:

Samuels, A. (2011). Novos desenvolvimentos do campo pós-junguiano. In. P. Young-Eisendrath & T. Dawson (Ed.) Compêndio da Cambridge sobre Jung (pp. 47-63) São Paulo: Madras.


6 comentarios


Fabrício Moraes
Fabrício Moraes
21 oct 2023

Olá! Seu texto é interessante, mas gostaria de fazer algumas ponderações. 1 - Você atribui indiretamente aos autores da escola desenvolvimentista, quando fala de autores ingleses do uso do psicanálise junguiana. Na verdade isso é um equivoco, primeiro pq infelizmente quase não temos autores ingleses da Society of Analytical Psychology em português, tem 1 do fordham como referência. Deve-se notar que a SAP surgiu em 1945, e nunca foi reeindindicado esse termo "psicanalise junguiana"pelos autores junguianos. Esse termo ganhou expressão com Murray Stein (que é classico, formado em Zurich) que lançou os livros "Psicanálise Junguiana" e o "Os quatro pilares da Psicanalise junguiana" e não cita fordham, nem sequer faz menção conceitos a psicanálise inglesa, comuns nos textos desenvolvimentistas. Esse term…

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Andrew Soares
Andrew Soares
23 oct 2023
Contestando a

Acho que você sintetizou muito bem os desafios do campo junguiano no final de sua fala. Eu sintetizaria mais ainda, no sentido de compreender que o importante não é exatamente se apropriar ou criticar o que Jung produziu, mas buscar olhar o mesmo fenômeno que ele observou com nossos próprios olhos e sem tentar enquadra-los dessa ou daquela forma. Assim a gente consegue criar uma diversidade de perspectivas que convergem para um mesmo ponto. O problema é que muita gente acaba se focando em excesso na forma e nos conceitos e se perde no método e na perspectiva que deu origem aos conceitos. Nesse sentido vejo que isso é um erro comum tanto nos "psicanalistas" quanto "fundamentalistas", pois ambos tratam…

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felipeguedes.silva
20 oct 2023

Qual é o impacto da ligação entre a psicologia analítica e a psicanálise na variedade de abordagens e influências na psicologia analítica?

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Andrew Soares
Andrew Soares
21 oct 2023
Contestando a

A ligação em si não gera necessariamente um impacto no diálogo com outras abordagens, mas favorece certas tendências e vieses na compreensão da psicologia analitica no diálogo com outros saberes. Já escutei algumas pessoas da psicologia analítica que dizerem que a proximidade da psicologia possível se dá com outras abordagens, como a psicanálise, que trabalham necessariamente com o conceito de inconsciente. Eu penso o contrário. Exatamente por essas abordagens terem compreensões diferentes de inconsciente da compreensão da psicologia analítica, muitas vezes isso mais confunde do que lança.alguma luz. Eu particularmente considero que aproximação com forma de pensar nitidamente diferentes da psicologia analítica é mais rico, pois tende a preencher lacunas e enfatizar aspectos que a psicologia analítica mais tradicional e…

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©2023 por Carlos Andreassa

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